segunda-feira, 2 de outubro de 2023

O Constitucionalismo de Paulo Bonavides

IMAGEM: Reprodução Documentário Paulo Bonavides (1925-2020)

Iniciemos os estudos sobre o renomado jurista paraibano com o coração cearense em sua Magnum Opus “Curso de Direito Constitucional”, sendo um dos baluartes no estudo do Constitucionalismo no Brasil.

CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES

Importante elencar o conceito de José Gomes Canotilho sobre Constituição: “A Constituição é o Estatuto jurídico do político” (CANOTILHO, 1993, p. 20). O primeiro ponto a ser considerado será a classificação das Constituições:

FORMAL: O texto descrito na Constituição consagrado pelo Poder Constituinte é norma cogente dotada de supremacia, ou seja, superior hierarquia diante das demais normas, não importando sua matéria (conteúdo). Um exemplo que pode ser colocado como um formalismo na Constituição é o disposto no art. 173, § 5º, da CF/1988: “A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”.

MATERIAL: Classificação defendida por Bonavides. Como um crítico ao formalismo, defende como a Constituição o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais. Tudo quanto for, enfim, conteúdo básico referente à composição e ao funcionamento da ordem política exprime o aspecto material da Constituição. Para entender o que seria “matéria constitucional” neste rol exemplificativo de Bonavides, faz-se importante mencionar que são os conteúdos relacionados à Limitação do Poder do Estado e à Garantia dos Direitos Fundamentais.

Art. 16.º da D.U.D.H.C (1789): “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem  estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”.

ESCRITAS: Constituições positivadas em texto. Podem ser:

a) Codificadas (A CRFB/1988, com preâmbulo, parte introdutória, parte orgânica, parte dogmática, disposições gerais, disposições transitórias, em um só volume);

b) Legais (São espalhadas em vários diplomas, como a Constituição Francesa de 1875).

COSTUMEIRAS: São consuetudinárias, não dotadas de texto positivado. Podem ser:

a) Totalmente costumeiras

b) Parcialmente costumeira

O Prof. Paulo Bonavides põe como exemplo a Constituição da Inglaterra: formada pelo direito estatutário (statute law), a parte escrita; direito casuístico (case law), formado pelos precedentes e jurisprudências em commom law; o costume, geralmente parlamentar (Parlamentary custom); convenções constitucionais (constitucional conventions).

Quanto à forma de surgimento, classificam-se em:

OUTORGADAS Aquelas que são impostas, típicas de governos autoritários, como as Constituições Brasileiras de 1824, 1937, 1967 e 1969.

PACTUADAS Também chamadas de dualistas, formadas por poderes antagônicos que formam um pacto para elaborar a Constituição. Ex.: Magna Carta de 1215, feita com o baronato inglês e o Monarca João-sem-Terra;

POPULARES Emergidas diretamente pelo povo, ratificada por meio de referendo, após a aprovação dos representantes eleitos em Assembleia Constituinte, como nas Constituições PROMULGADAS (Ex.: CRFB/1988). Este modelo é considerado um ápice democrático. Ex.: Constituição Francesa 1848 e 1875.

Também podem ser classificadas em CONCISAS e PROLIXAS. A primeira, dotada de texto mais objetivo e sintético, focando no mais importante acerca da Organização do Estado (Ex.: Constituição dos EUA). Enquanto a segunda possui texto mais exaustivo, que elenca diversos temas em seu conteúdo (Ex.: Constituição Brasileira de 1988).

SENTIDOS DE CONSTITUIÇÃO

a) Sociológico (ou Real)

Defendido por Ferdinand Lassale, que em sua obra explana que a Constituição é apenas uma folha de papel e que a Constituição consiste nos fatores reais de poder, que são os grupos sociais que detém a tomada de decisões que regerão os caminhos da sociedade.

b) Político (ou Decisionista)

Formulado por Carl Schmitt, defende que a Constituição é uma decisão política fundamental, fazendo menção ao modelo materialista.

c) Jurídico-Positivista (ou apenas Jurídico)

Este é o sentido adotado por Hans Kelsen, em que a Constituição é a norma de cúpula que ordena, dá fundamento, validade e harmonia a todo o sistema jurídico, sendo isenta de preocupações sociológicas ou axiológicas. Este sentido está alinhado com o modelo do formalismo constitucional.

d) Jurídico-Normativista

Este é defendido por Konrad Hesse, que buscou fazer um contraponto a Lassalle e sustentou a existência de uma FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO! Não nega a existência de fatores reais de poder, mas sustenta a possibilidade de a Constituição mudar a realidade apesar disso.

A Constituição converter-se-á em força ativas se fizerem presentes na consciência geral — particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional —, não só a vontade de poder, mas também a vontade de Constituição.

e) Integrativa

Desenvolvido por Rudolf Smend, sustenta a Constituição como uma ordem objetiva de valores e que a Constituição é a realidade integradora da comunidade política, como conciliar os valores sociais do trabalho e os valores do capital da livre iniciativa.

f) Constituição Aberta

Proposto por Peter Häberle e defendida no Brasil por Bonavides: “A construção teórica de Häberle parece desdobrar-se através de três pontos principais: o primeiro, o alargamento do círculo de intérpretes da Constituição; o segundo, o conceito de interpretação como processo aberto e público e, finalmente, o terceiro, ou seja, a referência desse conceito à Constituição mesma, como realidade constituída e ‘publicização’”. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 466.)

SISTEMA CONSTITUCIONAL

Abordado no cap. 3 da obra de Bonavides, traz a Ideia de sistema com troca de informações (inputs e outputs), teoria desenvolvida principalmente por Niklas Luhmann, que afirma que a Constituição é um acoplamento estrutural entre o sistema social da Política e o do Direito.

Defende que os sistemas devem funcionar com seus códigos próprios, que quanto mais desenvolvida for uma sociedade, mais dotados de autonomia tais sistemas serão. A crítica de Bonavides à Teoria dos Sistemas de Luhmann é que em tal concepção, há o receio sobre a possibilidade de que a Constituição seja “devorada” pela política, ou seja, que os códigos próprios da tecnologia jurídica fossem devastados pela lógica do jogo político.

PODER CONSTITUINTE

Paulo Bonavides expõe no Capítulo 4 a diferença entre o Poder Constituinte e a Teoria do Poder Constituinte. Em linhas curtas, o Poder Constituinte é toda força capaz de construir uma Constituição.

Emannuel Joseph Sieyés, na sua obra “A Constituição Burguesa”, defende que a legitimidade do Poder Constituinte requer a inclusão do chamado “Terceiro Estado”, que são todos os grupos excluídos do clero e da nobreza, fundando o Poder Constituinte no Direito Natural da Nação (indisponível, inalienável e permanente).

Tal teoria cria a base que sustenta a ideia das Constituições Rígidas; Fundamenta o Constitucionalismo. Está para constitucionalismo como a ideia de soberania está para o Absolutismo; Alicerça o desenvolvimento moderno dos conceitos de POVO e NAÇÃO; além de estabelecer a distinção entre força e força legítima. Assim, trazendo a diferença entre Poder Constituinte e Poder Constituído.

DUDHC 1789: Art. 2.º A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.

NATUREZA DO PODER CONSTITUINTE

Jurídica ou Política? Bonavides responde: “A natureza política soberana, inerente à essência do poder constituinte, fá-lo-ia sempre absoluto, desatado de vínculos restritivos que não fossem os da direta e imediata expressão de sua própria vontade, presente e atualizada, eliminatória das alienações representativas latentes ou a termo, como aquelas acolhidas depois no esquema jurídico do chamado poder constituinte constituído”.

Há outros doutrinadores, como o português Jorge Miranda, que defendem a natureza mista do Poder Constituinte, em que inicialmente é político destruindo o jurídico, porém, com o tempo, estabelece uma nova ordem jurídica, desta forma, contendo os dois aspectos.

E sobre a titularidade? Entende-se que qualquer um pode ser titular (um monarca, um ditador, o parlamento). Mas sobre legitimidade, a titularidade seria do povo ou da nação. Em outras palavras, onde há Constituição tirana ou despótica há UM Poder Constituinte, mas definitivamente NÃO HÁ O PODER CONSTITUINTE LEGÍTIMO, nos termos de sua teoria.

Mas por que a titularidade se legitimou pelo povo e não pela nação? Porque a nação na teoria de Seiyes refere-se a um ente abstrato formado por pessoas com o mesmo vínculo cultural. Já o povo, na teoria de Rosseau, consiste no grupo de indivíduos dotado de vínculo jurídico com o Estado. A importância do povo é levantada por outros teóricos, como o já citado Peter Haberle, ao afirmar que “o povo, nas democracias atuais, concebe-se como uma grandeza pluralística”. Tal teoria foi adotada pela Constituição Americana, e assim, serviu de modelo para as demais:

“Nós, o povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma União mais perfeita, estabelecer a justiça, assegurar a tranquilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral, e garantir para nós e para os nossos descendentes os benefícios da Liberdade, promulgamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da América”. (Constituição dos Estados Unidos da América - 1787).

Segundo Bonavides, o Poder Constituinte (ou Originário) pode ser de duas espécies: histórico e revolucionário. O autor defendia que tal Poder possui características de legitibus solutus, que é um termo medieval em que o Príncipe tinha o poder absoluto, inclusive de dissolver a lei. Ou seja, o Poder Constituinte estaria acima da lei, sem limites jurídicos. Também possui natureza permanente, em que fica latente na sociedade mesmo após o advento da Constituição.

Já o Poder Constituído, também chamado de Poder Constituinte Derivado, é subordinado, limitado ou condicionado a regras rígidas pelo Poder Constituinte Originário, inclusive de reformá-lo. Também se fala em Segundo Poder Constituinte Originário, que significa exatamente a fase de latência e permanência, “convivendo” com o Poder Constituído:

“Asseveramos que dois poderes constituintes sobrevivem à feitura de uma Constituição, mas os juristas em geral só admitem um deles e isso não é verdade. O outro poder constituinte, desconhecido ou remanescente, não se sujeita à disciplina jurídica, porquanto, como já dissemos, pertence às categorias sociais que atuam à margem do quadro normativo formal. É ele expressão da realidade e tem por isso feição originária, e de algum modo se caracteriza como o mesmo poder constituinte em estado potencial. Não é o jurista profissional, de formação positivista, que descobre a variedade do poder constituinte em tela, senão aquele que, dotado de ampla visão sociológica, vislumbra nos acórdãos das cortes constitucionais o exercício de um tal poder constituinte, anônimo, silencioso, mas sumamente eficaz. Exercita-se por múltiplas vias. [...] Manifesta-se também difusamente, fora dos tribunais, à margem do texto constitucional, com a mesma força normativa. Prende-se nesse caso a instância mais recuadas, familiaríssimas às Constituições costumeira (BONAVIDES, 2006, p. 186-187).

OBS: Este Segundo Poder Constituinte Originário também é chamado em outras literaturas de “Poder Constituinte Difuso”. Um exemplo de sua força está nas mutações constitucionais, por meio da motivação das Emendas.

CRISE CONSTITUCIONAL X CRISE CONSTITUINTE

“Crise constituinte é uma crise das instituições. Crise constitucional é uma crise na Constituição. É possível por via de uma emenda à Constituição remover uma crise constitucional, mas é por inteiro impossível, por via de emenda ao texto constitucional, acabar com a crise constituinte. E essa é a nossa tragédia política”. (Paulo Bonavides)

Crise Constituinte é UMA CRISE do Poder Constituinte, uma crise política da sociedade, e põe em xeque a própria arquitetura constitucional.

TEORIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

Descrita no cap. 7 da obra. Do ponto de vista histórico, as normas constitucionais nem sempre foram vistas com a mesma força jurídica. Bonavides, então, apresenta quatro fases de manifestação dessa força normativa.

I) FASE DAS DECLARAÇÕES POLÍTICAS: É a fase inicial que coincide com o constitucionalismo moderno. As primeiras Constituições têm manifesto caráter político e revolucionário. São declarações antiabsolutistas. Em razão disso, a doutrina inicialmente lhes negou caráter jurídico (não tratavam as Constituições como normas jurídicas), apenas possuía caráter panfletário, para anunciar o rompimento com a ordem política anterior.

II) FASE DAS CARTAS LIBERAIS: Foi a fase de início da juridicização das Constituições. Começa a existir uma preocupação de que o discurso constitucional saia do campo exclusivamente político, passando a se converter em direitos efetivamente exigíveis pelos cidadãos. As Declarações de Direitos, que antes eram documentos apartados (por exemplo: a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789) começam a ser incorporadas ao próprio texto da Constituição. Um exemplo dado pelo autor é a Constituição Belga de 1832 como marco da migração da Constituição Política para a Constituição Jurídica.

III) FASE DA PRAGMATICIDADE: No final do século XIX e início de século XX, por meio das primeiras consagrações de direitos sociais e as Constituições Sociais iniciais, passam a ser enunciados vários compromissos de transformação e melhoria da qualidade de vida da sociedade nos textos constitucionais (como direito à educação, trabalho, saúde, segurança). Muitas das metas assumidas pelos constituintes desse período tinham um caráter compromissário, nascendo, daí, a noção de norma constitucional de caráter programático.

Bonavides explicita: “A Programaticidade dissolveu o conceito jurídico de Constituição, penosamente elaborado pelos constitucionalistas do Estado Liberal e pelos juristas do positivismo. De sorte que a eficácia das normas constitucionais volveu à tela do debate, numa inquirição de profundidade jamais dantes lograda”.

Assim, a Constituição passou a depender da lei, e não a lei da Constituição. Atualmente, no entanto, as normas programáticas não são vistas como sendo tão inefetivas, reconhecendo-se a elas força normativa.

IV) FASE DAS NORMATIZAÇÕES: Surge no contexto do neoconstitucionalismo e pós-positivismo. Bonavides discorre sobre: “Atribuindo-se eficácia vinculante à norma programática, pouco importa que a Constituição esteja ou não repleta de proposições deste teor, ou seja, de regras relativas a futuros comportamentos estatais”.

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

No cap. 8, Paulo Bonavides afirma que os princípios constitucionais se apresentam em três fases dentro da história constitucional:

I) FASE JUSNATURALISTA: É o momento inicial do Constitucionalismo. Destaca-se por um forte teor metafísico e abstrato na apreciação dos princípios, bem características nas duas primeiras fases da Constituição (declarações políticas e das cartas liberais). Nas palavras do autor:

“A primeira – a mais antiga e tradicional – é a fase jusnaturalista; aqui, os princípios habitam ainda esfera por inteiro abstrata e sua normatividade, basicamente nula e duvidosa, contrataste com o reconhecimento de sua dimensão ético-valorativa de ideia que inspira os postulados de justiça”. Neste período, os princípios praticamente não possuem carga normativa, não sendo vistos sequer como normas, mas sim com aspecto abstrato, com modelo axiológico (verdades universais, mas sem cientificidade), fundados na ideia do Direito Natural.

II) FASE POSITIVISTA: Nessa fase, os princípios passam a ser vistos como algo diretamente componente do sistema jurídico, no entanto, de modo limitado, sendo tratados apenas como meios de integração do ordenamento, ou seja, apenas para preencher lacunas da norma:

“A segunda fase da teorização dos princípios vem a ser a juspositivista, com os princípios entrando já nos Códigos como fonte normativa subsidiária ou, segundo Gordillo Cañas, como ‘válvula de segurança’ que ‘garante o reinado absoluto da lei’”. Dessa forma, os princípios não eram vistos como fontes primárias, mas sim acessórias (supletivas, subsidiárias) do ordenamento jurídico.

Nesta fase, os princípios eram extrajurídicos, e no Direito Constitucional, vistos como normas programáticas. No Brasil, pode-se afirmar, inclusive, que foi positivada essa visão dos princípios como meios de integração do ordenamento, conforme art. 4º da LINDB: “Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

III) FASE PÓS-POSITIVISTA: Consiste na normatividade tardia dos Princípios. Incialmente, veja-se trecho de Paulo Bonavides:

“A terceira fase, enfim, é a do pós-positivismo, que corresponde aos grandes momentos constituintes das últimas décadas deste século. As novas Constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais”.

Nota-se assim que esta é a fase atual, partindo das compreensões pós-Dworkin/Alexy e da ressignificação do conceito de norma. Na fase pós-positivista, os princípios possuem como caraterísticas: reconhecida carga elevada de normatividade; alta carga axiológica; vistos como mandamentos de otimização; multifuncionais (passam a exercer diversas funções diferentes).

PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Este é abordado no cap. 12 da obra. O princípio da proporcionalidade propõe-se a encontrar a melhor solução para um determinado conflito de direitos (antinomia), o que pretende alcançar, seguindo uma lógica de aplicação do direito em questão com base em seus três subprincípios. Na lição de Paulo Bonavides, a proporcionalidade possui três subprincípios:

a) Adequação: O meio deve ser adequado e apto para atingir a finalidade;

b) Necessidade: Dentre os meios adequados, deve-se optar pelo meio menos restritivo de direitos fundamentais.

OBS: George Marmelstein teoriza que a necessidade não pode ser excessiva ou insuficiente, usando o termo germânico “Ubermassverbot”, que traz sentido como “proibido ir além”. Que na proporcionalidade, está embutida a ideia de vedação ao excesso, no jargão “dos males, o menor”. Também se usa outro termo alemão “Untermassverbot” ou “proibido ir abaixo”. A vedação de insuficiência decorre diretamente do dever de proteção e de promoção já mencionados, de modo que o poder público deve adotar medidas suficientes para impedir ou para reprimir as violações aos direitos fundamentais.

c) Proporcionalidade em sentido estrito: É preciso se preferir o meio que some maior número de vantagens e tenha o menor número de desvantagens. É um princípio de contabilização de custos e benefícios. Marmelstein reflete sobre a adoção da medida sacrificar mais direitos fundamentais do que preservar, se traz mais vantagens ou desvantagens, em uma análise de custo-benefício.

INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

Teorizada no cap. 13 do livro, discorre sobre os métodos clássicos: lógico; histórico-sociológico; voluntarista de Kelsen; Subjetivistas e Objetivistas; Teoria dos Poderes Implícitos. Bonavides tece elogios à teoria da moldura de Kelsen, em que a norma constitucional seria uma moldura para reter dentro dela diversas soluções para os conflitos, sendo polissêmica. A solução ideal consiste em um ato de vontade do intérprete, segundo o jurista austríaco.

O debate entre Subjetivistas e Objetivistas existente na Hermenêutica Clássica consiste na questão se o intérprete deve estar envolvido ou isento no problema constitucional. Se ele permite que suas pré-compreensões dialoguem com o caso concreto ou se mantém distante, buscando efetivar a vontade da lei sem deixar que suas próprias opiniões contaminem a interpretação. Já os subjetivistas defendem a mens legis. Esta dicotomia é duramente criticada por juristas como Lênio Streck.

Também é trabalhada a Teoria dos Poderes Implícitos, advinda dos EUA, que determina que se a Constituição lhe deu o poder, também deu os meios de executar, mesmo que implicitamente. No Brasil, pode-se exemplificar o poder do Ministério Público de investigação por já ter o poder de propor a ação penal.

NOVA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

Exposta no cap. 14 da obra, traz a ideia de que o Direito Constitucional Contemporâneo, dada suas particularidades, precisa de uma hermenêutica própria, focada na elevada natureza política das normas constitucionais e no seu caráter principiológico, partindo do pressuposto de que há um cenário normativo diferenciado para o texto da Constituição. Métodos de interpretação desenvolvidos pela dogmática constitucional elencados por Bonavides:

a) Método Tópico-Problemático:

A tópica, desenvolvida por Theodor Viehweg, consiste em uma técnica de investigação de premissas, uma teoria da natureza de tais premissas bem como de seu emprego na fundamentação do Direito, além de ser uma teoria de argumentação jurídica focada em resolver os problemas jurídicos partindo do caso concreto, com o objetivo de criar "compreensões prévias" (Vorverstândnis) para solver as questões jurídicas controvertidas.

A tópica contrapõe-se assim ao positivismo purista que parte de uma lógica dedutivista e abstrata que parte de uma vã ilusão de que por meio de pensamentos abstratos e dedutivos poder-se-ia criar soluções a priori para quaisquer problemas jurídicos, alinhada com a teoria material da Constituição.

Bonavides faz críticas ao método tópico-problemática devido à situação de a tópica gera uma série de preocupações metodológicas para o intérprete, por parecer não traçar limites à criatividade de interpretar, partindo do “problema”, abrindo margem para o voluntarismo ou arbitrarismo.

b) Método Científico-Espiritual:

Rudolf Smend parte do pressuposto de ser a Constituição um ordenamento em cujo seio transcorre a realidade vivencial do Estado, o seu processo de integração, compondo um conjunto de distintos fatores integrativos e com distintos graus de legitimidade. Nesse sentido, esses fatores integrativos encontram ênfase, mormente, nos valores da sociedade presentes na Constituição, que seria um condensador destes valores sociais, reconhecendo-os como igualmente relevantes de forma normativa.

Assim pode-se dizer que para Smend a Constituição é verdadeiro sistema de todos os valores primários e superiores do ordenamento estatal, enfim, a totalidade espiritual de que tudo mais deriva, sobretudo sua força integrativa. Tal método mostra-se como uma patente crítica ao pensamento positivista anterior que era asséptico a valores, preocupações sociológicas ou filosóficas. Segundo Bonavides, esse novo meio de interpretação amolda assim a Constituição às realidades sociais mais vivas, emanando, daí, uma teoria material viva da Constituição. E que a interpretação formalista costumava ignorar os fatores metajurídicos.

Juristas, como Jürgen Harbemas, criticavam a metodologia da “jurisprudência dos valores”, que abriria margem para que o intérprete subjugasse a sociedade por valores que não seria os sociais e sim seus próprios valores.

c) Método Hermenêutico-Concretizador:

→ Desenvolvido por Konrad Hesse, tal método já surge da “virada linguística” da Hermenêutica e afirma que o intérprete compreende a partir sua existência histórica, logo, é determinado por seus pré-conceitos e pré-juízos, devendo torna-lo conscientes e fundamentá-las no processo decisório. Sustenta que as soluções devem ser buscadas a partir de casos concretos (inspiração da tópica). Assim, a norma é construída por um “ir e vir dialético” (círculo hermenêutico) para cada caso, não sendo apenas um dado.

Círculo Hermenêutico. FONTE: Prof. Paulo Monteiro

Com este método, o intérprete se envolverá no caso concreto com suas convicções, analisará o contexto histórico da norma o que limitará a sua vontade, para assim decidir qual norma será aplicada para resolver o problema constitucional que estará em debate.

d) Método Normativo Estruturante:

Fundamentado por Friedrich Müller, o método estruturante acredita que a concretização de uma norma transcende a interpretação do texto. Segundo o constitucionalista de Heidelberg, a concretização da norma é um processo estruturado, a fim de que assim se possa determinar a verdadeira estrutura das normas jurídicas. Toda concretização constitucional, nesse sentido, é aperfeiçoadora e criativa, destruindo o velho dogma da vontade subjetiva do legislador.

A teoria estruturante afirma que a norma só está completa quando de sua concretização pelo intérprete e não com a sua mera publicação no diário oficial. Ou seja, Müller propõe uma dicotomia em que o aplicador deverá extrair o “programa normativo” do texto, quer seria o fim que esta busca atingir, então, analisando em cotejo com o “âmbito material”, que seria o segmento da realidade a que a norma busca regular, chegando-se à norma de decisão com o “âmbito normativo”.

Nas palavras de Bonavides: “Partindo da assertiva de que o texto não é a lei, mas tão-somente a forma da lei, Müller formula uma teoria estruturalista em que a normatividade da prescrição jurídica se fundamenta através do âmbito da norma. Por sua vez, o âmbito normativo é tirado do conteúdo fático geral da esfera regulativa da prescrição. O texto funciona como diretiva e limite da concretização possível. [...] É mais apropriado falar-se de concretização de normas e não de interpretação ou exegese”.

e) Método da Sociedade Aberta:

→ Ninguém detém o Monopólio da interpretação da Constituição. Não é o fato de o Judiciário (e, em especial, o Tribunal Constitucional) ter a prerrogativa de dar a “última palavra” sobre “o que é a Constituição” que faz dele seu único intérprete.

Hoje em dia, prevalece a compreensão de que, na sociedade democrática contemporânea, todo aquele que vive a Constituição é seu potencial intérprete. É o que é defendido na compreensão da Sociedade Aberta de Intérpretes da Constituição de Peter Häberle.

Estabelece a ideia de participação pública nos processos de matriz constitucional, estimulando a participação de órgãos ou entidades, originalmente estranhos ao processo. A ideia motriz é: todo aquele que vive a Constituição tem o papel de interpretá-la. Exemplos que podem ser dados são as consultas públicas, as audiências públicas sobre determinado tema, e a existência do amicus curiae. Häberle explica.

“A relevância dessa concepção e da correspondente atuação do indivíduo ou de grupos, mas também a dos órgãos estatais configuram uma excelente e produtiva forma de vinculação da interpretação constitucional em sentido lato ou em sentido estrito. Tal concepção converte-se em um ‘elemento objetivo dos direitos fundamentais’. Assume idêntico relevo o papel cointerpretativo do técnico ou expert no âmbito do processo legislativo ou judicial. Essa complexa participação do intérprete em sentido lato e em sentido estrito realiza-se não apenas onde ele já está institucionalizado, como nos Tribunais do Trabalho, por parte do empregador e do empregado. Experts e ‘pessoas interessadas’ da sociedade pluralista também se convertem em intérpretes do direito estatal. Isto significa que não apenas o processo de formação, mas também o desenvolvimento posterior, revela-se pluralista: a teoria da ciência, da democracia, uma teoria da Constituição e da hermenêutica propiciam aqui uma mediação específica entre Estado e sociedade”. (HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional, 2007, 17-18).

GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

Tema trabalhado no Capítulo 15 da obra, as garantias são espécies de direitos fundamentais. A garantia existe não como um fim em si mesmo, mas para proteger outros direitos fundamentais. De acordo com o Jorge Miranda, as garantias são direitos em estado de defesa, ou seja, são direitos fundamentais que existem com características próprias para defender outros direitos fundamentais que conferem prerrogativas aos seres humanos, como por exemplo o Habeas Corpus, que garante o direito fundamental da liberdade de ir e vir.

Seguindo a doutrina alemã, o professor Bonavides divide as garantias em dois grupos:

a) Garantias dos institutos: protegem certos conceitos, bens e preceitos jurídicos fundamentais, em especial, relacionados a aspectos da vida privada, tais como a família, casamento, a propriedade, a herança, etc. Não são consideradas necessariamente garantias fundamentais.

b) Garantias institucionais: são garantias fundamentais que asseguram a existência de instituições públicas relevantes para a sociedade, tais como a autonomia universitária, autonomia do Ministério Público e da Defensoria Pública, a liberdade de informação jornalística, etc.

DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais e suas gerações são trabalhados nos capítulos 16 e 17. Inclusive, Bonavides critica o termo “geração”, por trazer a ideia de que uma substitui a outra, quando que na verdade, elas conviverem entre si sem a ideia de superação, logo, o termo mais adequado seria “dimensão”.

Seria uma classificação da positivação dos direitos fundamentais ao longo da história, que em suas primeiras dimensões, adotam os lemas da Revolução Francesa, teoria difundida por Karel Vasak, e acolhida por Bonavides. São elas:

a) 1ª GERAÇÃO: Liberdade - Direitos individuais, civis e políticos Surge com as Revoluções Burguesas (ou Liberais), com o foco do direito à vida e de ser livre, de votar e ser votado, em que há predominância do Direito Negativo, em que o Estado se abstém por regra.

b) 2ª GERAÇÃO: Igualdade - Direitos econômicos, sociais e culturais, como direito ao trabalho, à saúde, à educação, à moradia, etc. → Surge com a Constituição Social, em que ocorre maior força do Direito Positivo, com mais atuação do Estado. Adveio com a Constituição do México (1917), Constituição de Weimar – Alemanha (1919), e no Brasil com as Constituições de 1934 e 1937.

c) 3ª GERAÇÃO: Fraternidade ou Solidariedade - Direitos ao meio Ambiente, à paz, à autodeterminação dos povos   Surgiram após a Segunda Guerra Mundial, e isso enfatizou a potencialidade dos povos em exterminarem uns aos outros, e com isso, promover a ideia de fraternidade mundial, o chamado Direito Difuso, com coparticipação entre Estado e cidadãos, como por exemplo a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

d) 4ª GERAÇÃO: Globalização Política - (Paulo Bonavides) - Direito à democracia, à informação e ao pluralismo Com a queda do muro de Berlim em 1989 e fim dos regimes ditatoriais socialistas e unipartidários, adveio a globalização capitalista em todo o mundo assim como a democracia direta com pluralismo político.

e) 5ª GERAÇÃO: Paz Bonavides coloca o direito à paz mundial como uma quinta dimensão dos direitos fundamentais, devido à continuidade dos conflitos armados ao longo da história e em escala global.

ESQUEMATIZANDO:

Teoria das cinco dimensões dos direitos fundamentais, de Paulo Bonavides.


OBS: George Marmelstein critica esta teoria das gerações ou dimensões dos direitos fundamentais, por entender que todos estes direitos são obrigações de fazer e de não fazer do Estado, e a dicotomia entre Direito Positivo e Negativo traz a ideia de que os direitos fundamentais não seriam autoaplicáveis.

INTERPRETAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Estudada no capítulo 18 do livro, Bonavides elenca a teoria fundamentalista dos direitos fundamentais, inspirada no estudo de Ernst-Wolfgang Böckenförde:

a) Liberal: Segue os postulados clássicos do Estado Liberal. Entende que os direitos fundamentais buscam a limitação do poder do Estado e a valorização da liberdade individual em sentido negativo, ou seja, vê a liberdade como ausência de impedimentos impostos pelo poder público.

b) Social: É uma reação à teoria liberal com base no princípio da solidariedade, compreende os direitos fundamentais como meios de desenvolvimento econômico dos indivíduos, permitindo que seus titulares tomem parte dos bens produzidos pela sociedade, gerando uma mobilidade social.

c) Institucional: É também uma reação à teoria liberal, e é fundamentada por Carl Schmitt. Para a teoria institucional, os direitos fundamentais são concebidos, para além da dimensão individual-subjetiva, tratando-se de verdadeiros institutos constitucionais de defesa da própria ordem jurídica.

d) Axiológica: Os direitos fundamentais são vistos como valores juridicamente protegidos. A teoria ganha força após a Segunda Guerra como reação ao positivismo, dando proteção aos valores como forma de garantir o pluralismo. Com base em Smend, os direitos fundamentais são vistos como o resultado de opções axiológicas de uma comunidade e, por essa razão, constituem uma ordem de valores objetivada na Constituição.

e) Democrática-Funcional: destaca os direitos como canais comunicativos, ou meios de participação da formação pública da opinião e da vontade, de modo que se confere cargas argumentativas a eles no processo democrático. São considerados funcionais, na medida em que são tidos como meios de garantia para o desenvolvimento do princípio democrático. Jurgen Harbemas é a grande referência desta teoria.

Busca compreender os direitos fundamentais a partir da função pública e política. Seu caráter democrático nasce com a consagração de direitos voltados a um livre processo de produção democrática e de formação da vontade política. Já seu caráter funcional cresce na medida em que se utiliza da liberdade como meio de possibilitar e proteger referido processo.

Ou seja, estes direitos funcionam como propulsor dos debates públicos dos diferentes atores da democracia sobre o que aquela sociedade almeja para si.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016.

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