sábado, 24 de outubro de 2020

Resumo sobre a Lei de Drogas


A Lei 11.343/2006, Lei de Drogas, é uma norma penal em branco heterogênea, ou seja, aquela em que o complemento normativo não advém do legislador, mas sim de fonte normativa diversa alheia a ele. Desta forma, o conceito de drogas é oriundo da Portaria nº. 344/98 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, que por sua vez, classifica a substância como droga aquela que causa dependência e substância listada em ato do Poder Executivo (Portaria nº 344/98 – ANVISA), conforme o art. 66 desta lei.

1. INTRODUÇÃO

Dos arts. 1º ao 26, a Lei 11.343/06 não versa sobre os crimes e procedimento penal especial, mas apenas sobre o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD).

VEDAÇÃO À COMBINAÇÃO COM A ANTIGA LEI DE DROGAS

A Súmula nº 501 do STJ prevê que a Lei nº 11.343/2006 poderá ser aplicada de forma retroativa caso sua aplicação integral seja mais favorável ao réu do que o previsto na Lei nº 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis, para que se evite uma tertia legis (3ª lei).

2. CRIMES EM ESPÉCIE

DO CONSUMO DE DROGAS:

O Art. 28 desta Lei tipifica a conduta de quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, ser submetida às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

O crime previsto artigo 28 da Lei de Drogas não comina pena de reclusão ou detenção. O porte de drogas para uso pessoal não seria crime devido não haver pena. A conduta de porte de substância entorpecente para consumo próprio, prevista no art. 28 da Lei n° 11.343/2006, foi apenas despenalizada pela nova Lei de Drogas, mas não descriminalizada, não havendo, portanto, abolitio criminis. (Teses STJ, edição 131).

O ato de consumir, usar a droga, não constitui núcleo do tipo penal. Logo, Para o STF, não caracteriza o crime de porte de drogas a conduta do agente que recebendo de terceiro a droga, para uso próprio, a consome, incontinenti, pois a incriminação do porte de tóxicos para uso próprio só se pode explicar como delito contra a saúde pública (HC 79189).

O uso representa meramente uma autolesão, exaurindo-se o perigo na figura do próprio agente. O crime previsto no art. 28 se apresenta como vago, onde o sujeito passivo é a coletividade, e não alguém definido. Além da indeterminação da vítima, também há a indeterminação do risco no próprio delito, já que é definido como de crime de perigo abstrato. 

Quanto ao que se refere sobre o elemento normativo do tipo, estabelece-se que somente haverá crime se houver a prática de um dos núcleos verbais sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Se houver autorização (por exemplo, para fins medicinais), será fato atípico. Elemento subjetivo especial: é imprescindível o fim especial de possuir droga para consumo pessoal, sob pena de incorrer no crime de tráfico. 

REINCIDÊNCIA NO CRIME DO ART. 28

Segundo o STJ, se as contravenções penais, puníveis com prisão simples, não geram reincidência, mostra-se desproporcional o delito do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 configurar reincidência, tendo em vista que nem é punível com pena privativa de liberdade (HC 453.437/SP).

DO TRÁFICO DE DROGAS:

Sobre o tráfico de drogas, que é o crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, incide em importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; cuja pena será de: reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. É crime equiparado a hediondo.

Tal crime enquadra-se como tipo misto alternativo, em que se praticando um núcleo ou mais de um núcleo (polinuclear), haverá crime único em vez de concurso de crimes, se dentro do mesmo contexto fático, de acordo com o Princípio da Alternatividade. As condutas são permanentes, permitindo o flagrante a qualquer tempo, inclusive a possibilidade de invasão domiciliar.

Em muitas situações, a autoridade policial provoca o flagrante na modalidade entregar ou vender (passando-se por usuário), mas prende o agente pela conduta de ter em depósito, que é permanente. Neste caso concreto, não incide o flagrante preparado, sendo sabido que a consumação do tráfico ser preexistente à provocação. É o que se chama de flagrante comprovado, sendo este permitido.

O § 1º do art. 33 traz outras condutas que também configuram como crime de tráfico, no que se refere a matéria-prima, cultivo, colheita, depósito, uso de propriedade para cometer o crime de tráfico, e recentemente, com o Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), acrescenta conduta sobre a venda destes insumos sem autorização legal, a policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente. Todas estas condutas também se equiparam a crime hediondo.

O § 2º do art. 33 define a conduta como induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga, cuja pena será de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa. Não se equipara a crime hediondo. Esta indução, instigação ou auxílio devem visar pessoa determinada. No caso de a pessoa ser incerta, configurará apologia ao crime (art. 287, CP). No crime deste parágrafo, existirá a retroatividade benéfica, visto que na lei anterior era tratada como tráfico, sendo aplicada a lei penal mais benéfica.  Prevalece a ideia de que o crime só se consuma com o efetivo uso da droga pela pessoa induzida, instigada ou auxiliada.

O § 3º do art. 33 define a conduta o ato de oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem. A pena será de detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28 da mesma Lei.  Assim como o crime do parágrafo anterior, também não será equiparado a hediondo.

Mesmo sendo também crime de tráfico, esta modalidade terá os seguintes elementos especializantes e cumulativos: eventualidade, ausência de objetivo de lucro (se houver, implicará no caput do art. 33), pessoa do relacionamento, e o elemento subjetivo especial, que é o fato de consumirem a droga juntos.

O § 4º do art. 33, o chamado “tráfico privilegiado”, define que nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Trata-se de uma causa especial de diminuição de pena, aplicando-se também ao crime do art. 34, valendo-se do Princípio da Proporcionalidade. Também não se equipara a hediondo o disposto neste parágrafo, de acordo com o art. 112, § 5º, da LEP.

OBS: Apesar de a redação do art. 33, § 4º, vedar a possibilidade de conversão da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos, tal expressão foi suspensa pela Resolução nº 5/2012 do Senado Federal. Portanto, cabe a substituição da PPL pela PRD, desde que cumpridos os requisitos do art. 44 do Código Penal.

SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO

Quanto ao sujeito ativo, a depender do "núcleo do tipo, como o verbo "prescrever", previsto no art. 33, caput, será crime próprio, por poder ser realizado apenas por médico ou dentista. Quanto ao sujeito passivo, se vendida a droga para menor de idade que consta na portaria 344, encaixará no art. 33 desta lei, mas se a substância não constar na portaria 344 e causar dependência, configurará crime previsto no art. 243 do ECA. Neste último caso, se vendido para maior de idade, será fato atípico. 

CRIME DE PETRECHOS PARA O TRÁFICO:

Não obstante dos conceitos acima, vale observar que o crime do art. 34 da Lei nº 11.343/2006 trata-se da fabricação, transporte, armazenamento ou guarda, ainda que gratuitamente, de maquinário, objeto ou instrumento destinado à preparação ou transformação de drogas. A pena é de reclusão de 3 a 10 anos. Por se tratar de uma das formas típicas do crime de tráfico ilícito de drogas, integra o rol das infrações hediondas.

DA ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO:

O art. 35 da Lei de Drogas tipifica a conduta de associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei. Integra o mínimo necessário: criança/adolescente, inimputável ou agente desconhecido. Para Guilherme de Souza Nucci, a existência de agente infiltrado configura crime impossível.

Sobre a hediondez do crime do art. 35, a orientação que se firmou no STJ é de que a CF/88 etiquetou num rol taxativo os crimes equiparados a hediondo: tortura, terrorismo e tráfico ilícito de drogas e substâncias afins. Exclui-se, portanto, o delito de associação, que de resto não faz parte do rol da Lei 8.072/90:

“De acordo com a Jurisprudência desta Corte Superior, ante a ausência de previsão no rol do art. 2º da Lei 8.072/90, o crime de associação para o tráfico previsto no art. 35 da Lei 11.343/06 não é crime hediondo ou equiparado.” (AgRg no HC 485.529/RS, j. 12/03/2019)

FINANCIAMENTO E CUSTEIO PARA ATIVIDADES DO TRÁFICO:

art. 36 da Lei 11.343/06 tipifica o ato de financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei.

Segundo entendimento do STJ, o tipo penal trazido no art. 36 da Lei de Drogas é delito autônomo aplicável ao agente que não tem participação direta na execução do tráfico e que se limita a oferecer os recursos necessários para subsidiar as atividades. Caso o agente cometa tanto a conduta de financiamento do tráfico quando a atividade de traficância, não incidirá concurso material, e sim a causa de aumento de pena prevista no art. 40 da Lei nº 11.343/2006, afastando-se a conduta do art. 36 desta lei. (vide REsp nº 1290296/PR). 

COLABORAÇÃO COMO INFORMANTE PARA O TRÁFICO:

O art. 37 da Lei 11.343/06 tipifica o ato de colaborar como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei.

Segundo o STJ, O tipo penal trazido no art. 37 da Lei de Drogas se reveste de verdadeiro caráter de subsidiariedade, só ficando preenchida a tipicidade quando não se comprovar a prática de crime mais grave.

De fato, cuidando-se de agente que participa do próprio delito de tráfico ou de associação, a conduta de colaborar com informações para o tráfico já é inerente aos mencionados tipos. Considerar que o informante possa ser punido duplamente, pela associação e pela colaboração com a própria associação da qual faz parte, além de contrariar o princípio da subsidiariedade, revela indevido bis in idem

MINISTRAR CULPOSAMENTE DROGA PARA O PACIENTE:

art. 38 da Lei 11.343/06 tipifica o ato de ministrar, culposamente, drogas sem que delas o paciente precise ou fazê-lo em doses excessivas. É o único crime de modalidade culposa previsto nesta lei. Assim como o art. 28, sua competência (devido à pena máxima de 2 anos) será do Juizado Especial Criminal (art. 61, Lei nº 9.099/1995).

CONDUÇÃO DE EMBARCAÇÃO OU AERONAVE SOB EFEITO DE DROGA:

art. 39 da Lei 11.343/06 tipifica o ato de conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem. Para a condução de veículo automotor em situação similar, vale observar os arts. 291 e 306 do CTB.

3. PROCEDIMENTO PENAL ESPECIAL

As causas de aumento de pena dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta lei estão no art. 40 e suas situações específicas.

DELAÇÃO PREMIADA:

Disposta no art. 41 da Lei de Drogas, determina os seguintes requisitos:

  • Colaboração voluntária do indiciado/acusado;
  • Identificação dos coatores e partícipes;
  • Recuperação total ou parcial do produto do crime;

IMPLICAÇÃO: Pena reduzida de 1/3 a 2/3.

ISENÇÃO DE PENA:

Prevista no art. 45 da Lei de Drogas. Sendo observados o caso fortuito, força maior, e a inteira incapacidade do agente sobre o ato ilícito. É cabível o encaminhamento para tratamento médico adequado (§ único).

LAUDO PRELIMINAR E DEFINITIVO:

Para dar início à investigação, é necessário um laudo de mera constatação da natureza e da quantidade da droga. É feito por perito oficial, ou na falta deste, por pessoa idônea. As regras estão no art. 50 e parágrafos da Lei 11.343/06. O laudo preliminar será fundamental para a prisão em flagrante e oferecimento da denúncia. Mas somente o laudo definitivo servirá como prova para a condenação.

PRAZOS DO INQUÉRITO POLICIAL:

De acordo com o art. 51 da Lei de Drogas, são de 30 dias para réu preso e 90 dias para réu solto. O prazo pode ser duplicado pelo juiz, caso a autoridade policial peça de forma justificada, sendo ouvido o Ministério Público.

AUTORIZAÇÃO NO FLAGRANTE:

A Lei de Drogas prevê autorização judicial para as modalidades de prisão em flagrante retardado, diferido ou postergado. É o único caso em que a prisão em flagrante dependerá de autorização judicial, mesmo que em geral não necessite de uma decisão do juiz para que seja realizada. As definições estão no art. 53 da Lei nº 11.343/2006.

DEFESA PRÉVIA:

A primeira diferença está no número de testemunhas para acusação e defesa, que será de cinco (5), em vez de oito (8) do procedimento comum do CPP, como consta nos art. 54 e 55 da Lei de Drogas.

Diferentemente do procedimento comum, em que após o recebimento da denúncia e citação do réu, abre-se o prazo para resposta à acusação (art. 396, CPP), o art. 55 da Lei nº 11.343/2006 prevê que, oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia no prazo de 10 dias.

Nesta peça, de acordo com o art. 55, § 2º, o réu poderá arguir preliminares, como teses para rejeição da denúncia (ex: falta de laudo preliminar, que eliminaria a justa causa que consta no art. 395, III, do CPP), e invocar todas as teses de defesa, sendo as principais: a absolvição sumária (art. 397, CPP), a desclassificação da conduta de traficante (art. 33) para usuário (art. 28), ou a incidência do "tráfico privilegiado" (art. 33, § 4º) e suas circunstâncias.

Recebida a denúncia, o juiz designará audiência de instrução e julgamento e citação do acusado, nos termos do art. 56 da Lei de Drogas.

INTERROGATÓRIO DO ACUSADO:

Apesar de o art. 57 prever o interrogatório do acusado como ato feito no início da audiência de instrução e julgamento, o STF decidiu no HC 127900/AM, que o interrogatório deverá ocorrer no final do ato, como determina o art. 400 do CPP, sob pena de nulidade pelo cerceamento de defesa (art. 5º, LV, CF/1988).

COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO:

Conforme o disposto no art. 48, § 1º, da Lei de Drogas, os crimes previstos no art. 28, caso não estejam em concurso com os crimes dos arts. 33 ao 37 desta lei, serão julgados e processados na forma da Lei nº 9.099/1995 (JECrim). 

De acordo com a Súmula nº 522 do STF, salvo ocorrência de tráfico para o exterior, quando, então, a competência será da justiça federal, compete à justiça dos estados o processo e julgamento dos crimes relativos a entorpecentes. O art. 70 da Lei de Drogas fala do caráter transnacional do crime de tráfico.

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RESUMO:

Crime do art. 28 → Não foi descriminalizado, apenas despenalizado.

Crimes do art. 33, caput e § 1º → SÃO equiparados a hediondos.

Crimes do art. 33, §§ 2º, 3º e 4º → NÃO SÃO equiparados a hediondos.

Crime do art. 34 → TAMBÉM É equiparado a hediondo.

Crime do art. 35 → NÃO se equipara a hediondo.

Crime do art. 36 → Se equipara a hediondo.

Crime do art. 37 → Se equipara a hediondo.

Crime do art. 38 → NÃO se equipara a hediondo.

Crime do art. 39 → NÃO se equipara a hediondo.

Prazo do Inquérito → 30 dias (preso) e 90 dias (solto). Pode dobrar.

Justiça Estadual julga os crimes desta Lei, exceto no tráfico internacional, onde a competência será da Justiça Federal.

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