quinta-feira, 11 de março de 2021

Preços abusivos e os impactos na vulnerabilidade do consumidor em tempos de pandemia


Artigo de autoria dos acadêmicos Paulo Rodrigues Monteiro Júnior, Luan Carlos Ribeiro Braga, Raissa Laura Costa Gomes, sob orientação da Profª. Ma. Ana Paula Marques de Souza.

INTRODUÇÃO

A curva flutuante do mercado não pára diante da eterna relação entre oferta e procura de determinado produto ou serviço que definirá o quanto ele vai custar, segundo a Lei de Adam Smith, que define esta variação da oferta do preço cobrado de acordo com a demanda pelo produto. Eis que surge um “ponto fora da curva”, uma pandemia.

Tal ruptura foi causada justamente por um fenômeno de crise, em que o mercado de consumo atua de forma totalmente atípica, motivado por uma necessidade em questões de saúde ou por temor de um advento de uma “grande peste”, que poderia assolar gravemente toda uma coletividade. Esta procura elevada em um curto espaço foi uma válvula de escape para a má-fé de alguns fornecedores.

São em momentos como este onde fica clara a diferença entre Liberalismo e Anarquia. Onde até mesmo o livre mercado precisa atender pelos princípios da solidariedade e da boa-fé. Onde se um fornecedor do produto ou serviço não obteve um aumento considerado no seu custo de absorção, seja com a matéria-prima ou com tributação, não faz sentido repassar de forma brusca uma alta no preço final de venda para o já fragilizado consumidor.

Justamente neste ponto o Poder Público entra em cena e coloca seu poderio através do monopólio de imposição de regras que brequem este comportamento. Com leis que definam sanções para determinados abusos, congelamento de preços por tempo determinado. Todavia, em contrapartida, tais normais devem facilitar a situação dos empreendedores com medidas liberais, como redução e carência nas obrigações acessórias para o fisco. O trabalho discorrerá por estes mecanismos que irão enfrentar as práticas que criam um vício sistemático entre quem vende e quem compra.

DO CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR

Com o cenário crítico de calamidade pública, infelizmente, donos de estabelecimentos comerciais aproveitaram-se da situação ao aumentar o preço em até 161% no que se refere a alguns itens em casos de demandas emergenciais, como o álcool em gel e as máscaras descartáveis, conforme noticiário de repercussão nacional. Situação essa que foi constatada com a preocupação com o alastramento do coronavírus (COVID-19) no Brasil, o que afetou a prateleira de farmácias, lojas e supermercados em todo o país.

O preço do já citado álcool em gel, usado principalmente para higienizar as mãos, foi para as alturas, como foi notado no caso da dona de farmácia presa na cidade de Cascavel, no Ceará. A empresária, conforme matéria noticiada na imprensa local, estava comercializando o litro de álcool em gel a um valor de R$ 80,00, enquanto os frascos de 50g, sem identificação de origem, eram vendidos a R$ 12.

A farmácia, localizada no Ceará, citada no noticiário também não fornecia nota fiscal dos produtos, mais uma violação clara da lei que protege o consumidor Atitude que se configura como abusiva, rompendo a Regra Básica da Economia.

A conduta destes empresários é tratada como crime contra a economia popular, tipificada na Lei nº 1.521 de 1951, em seu Art. 3º, inciso VI, que diz: são também crimes desta natureza – provocar a alta ou baixa de preços de mercadorias, títulos públicos, valores ou salários por meio de notícias falsas, operações fictícias ou qualquer outro artifício. Ainda na mesma lei, o parágrafo único do art. 2º, disciplina in verbis:

"Na configuração dos crimes previstos nesta Lei, bem como na de qualquer outro de defesa da economia popular, sua guarda e seu emprego considerar-se-ão como de primeira necessidade ou necessários ao consumo do povo, os gêneros, artigos, mercadorias e qualquer outra espécie de coisas ou bens indispensáveis à subsistência do indivíduo em condições higiênicas e ao exercício normal de suas atividades. Estão compreendidos nesta definição os artigos destinados à alimentação, ao vestuário e à iluminação, os terapêuticos ou sanitários, o combustível, a habitação e os materiais de construção". (BRASIL, 1951).

Logo, o álcool em gel e as máscaras de proteção enquadram-se nos gêneros citados pelo Art. 2º. Voltando ao que está positivado no Art. 3º da Lei nº 1.521, o termo “qualquer outro artifício” configura-se como cláusula aberta. Pois qual seria este outro artifício então?  Apesar da questão, tal manobra é fácil de se identificar, já que não se trata de uma alta de preços flutuante de acordo com a demanda, e sim de uma alta provocada de forma proposital pelos comerciantes, evidenciada pela absurda e abrupta porcentagem de subida nos preços, visando tirar proveito da situação de pânico coletivo e eventual calamidade pública em um cenário de pandemia.

A pena prevista para os crimes do Art. 3º é de detenção, de 2 (dois) anos a 10 (dez) anos, e multa. Os crimes desta Lei são de ação penal pública incondicionada, tendo o Ministério Público como autor, podendo ser acionado também através do DECON, que por sua vez, tomaria as medidas cabíveis para os infratores em questão.

ANÁLISE DOS IMPACTOS NA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR

A pandemia ocasionada pelo vírus SARS-CoV-19, mais conhecido como Covid-19 ou coronavírus, chegou causando vários impactos no mundo inteiro. O sistema de saúde colapsado por não ter capacidade para receber tantas pessoas infectadas por um vírus que se multiplica muito rápido e com isso, tiveram os governantes que tomar medidas rápidas e inteligentes, como a paralisação de comércios locais, indústrias, empresa, sistemas de entretenimento, escolas, dentre muitos outros, entretanto, permitindo apenas as atividades consideradas como serviços essenciais.

Por estas razões, empresas vieram a falência gerando alto desemprego e um impacto grandioso na economia. Por outro lado, inúmeras empresas investiram no e-commerce tendo um retorno altamente lucrativo, haja vista que, como as pessoas estavam resguardadas em suas casas, pediam tudo com facilidade, de forma rápida e mais segura, diretamente de aplicativos em seus smartphones, computadores e tablets.

Importantíssimo ressaltar um estudo realizado pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), relatado pelo presidente da entidade, Eduardo Terra, onde fora constatado um destaque para as compras de alimentos e bebidas para consumo imediato, que cresceram em um índice de 79%. Os consumidores estão cientes do risco de contaminação ao sair de casa e por isso, ainda que saiam às ruas para comprar itens essenciais, têm apresentado um comportamento mais digital, usando apps para compra e pagamento, por exemplo, conforme análise do presidente da SBVC.

Levantamento este realizado em maio de 2020, intitulado de "Novos hábitos digitais em tempos de covid-19", que entrevistou mil pessoas em todo o país. Notou-se que a crise do coronavírus fez com que a transformação digital do varejo se tornasse prioridade para poder manter os negócios em operação, ao passo que o isolamento social recebia o clamor de boa parcela da população.

É bem verdade que a nova mutação do vírus, denominada SARS-CoV-19, surgiu causando medo nas pessoas, trazendo para elas precaução, ficando assim mais cientes do risco que correm ao sair de casa, mesmo que seja para comprar itens essenciais, o meio digital se mostrou bem mais seguro e eficaz.  Fenômeno este que é observado no crescimento exponencial do e-commerce, com lojistas começando a cobrar preços abusivos, principalmente nos segmentos de serviços considerados essenciais, como no segmento farmacêutico.

DA VIOLAÇÃO DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA

O Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 39, V, garante que exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva, é conduta constada na abusividade em elevar o preço de um produto sem justa causa, conduta esta que se encaixa justamente em aproveitar-se de uma situação atípica. Ocasião constatada no caso do exemplo supra citado, máscaras e álcool em gel tiveram alta procura, logo, os lojistas aumentando suas ofertas com preços abusivos, sujeitando a ampla necessidade de ambos os produtos que foram ocasionados pela pandemia.

Os fornecedores, positivados no art. 3º do CDC, se aproveitando de um momento de calamidade que assola a humanidade é no mínimo desumano, precisando com mais veemência os consumidores exigir o cumprimento de seus direitos. Em face das razões, explica-se o crescimento exponencial de compras e vendas on-line.

LEGISLAÇÃO LOCAL PROTETIVA PARA O CONSUMIDOR

O Estado do Ceará, através da Lei Estadual nº 17.213/2020, visando tutelar o caráter vulnerável do consumidor local, versou sobre a impossibilidade de aumento dos preços sem critério enquanto perdurar o período pandêmico no território cearense, que diz:

Art. 1º. É vedada aos fornecedores, no âmbito do Estado do Ceará, a majoração sem justa causa do preço de produtos ou serviços, durante o período em que estiver em vigor o Plano de Contingência do novo coronavírus da Secretaria da Saúde do Estado.
[...]
§ 2º O disposto no caput deste artigo também se aplica à elevação injustificada dos preços de insumos e bens utilizados no combate e na prevenção à contaminação do novo coronavírus - covid-19, englobando a integralidade da cadeia produtiva respectiva até a venda ao consumidor final. (CEARÁ, 2020)

Apesar de se tratar de uma direta intervenção na inciativa privada, que inclusive tem assento constitucional no art. 5º, inciso XXII, existe a supremacia do interesse público em preservar a vulnerabilidade econômica da coletividade, sendo dever do Poder Público, através do Governo Estadual no presente caso, determinar medidas legais coíbam quaisquer tipos de abuso.  

CONCLUSÕES

A título de conclusão, pode se inferir que o consumir foi e permanece sendo afetado pelo grande e contínuo aumento dos preços no mercado, inclusive de produtos essenciais para o dia a dia; a busca de estabilizar a economia do país às custas do consumidor deixa cada vez mais clara a vulnerabilidade do mesmo, tornando ainda mais notório a fragilidade do consumidor frente ao fornecedor.

Faz-se relevante o que determina o Art. 4º do CDC sobre a política Nacional das Relações de Consumo, que tem por objetivo atender as necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção dos seus interesses econômicos, a melhoria da qualidade de vida, bem como a transparência e as relações de consumo.

Pode-se entender que o respeito às leis que defendem o consumidor na verdade, estão sendo duramente descumpridas, a exemplo temos o quilo de arroz, que sendo este um produto consumido diariamente pela sociedade brasileira, tem o seu preço claramente exacerbado, deixando o consumidor em um nível muito inferior ao do fornecedor, tornando completamente desigual a relação de consumo existente, que deveria ser harmonizada.

As consequências da Covid-19 para o consumidor estão sendo duras e fere todos os princípios que defendem os mesmos, inclusive o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Princípio da Solidariedade e Princípio da Igualdade, princípios estes que nasceram para a proteção do consumidor e para equilibrar as relações de consumo, os mesmos estão sendo postos em um patamar de inexistência.

As práticas abusivas estão tomando conta de todo o país, os fornecedores aparentemente não se importam com os diretos dos consumidores e buscam desesperadamente destituir os prejuízos causados pela pandemia aumentando absurdamente o preço de produtos essenciais para a sobrevivência, sem considerar os consumidores hipossuficientes, que são os consumidores que se encontra em situação de impotência ou inferioridade nas relações de consumo.

Muito embora seja clara a discrepância nas relações de consumo atuais a medida provisória 926 de 2020 alterou a Lei nº 13.979 de 2020, que dispõe sobre os procedimentos para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao momento emergencial em que se enfrenta decorrente as condições da saúde pública atual, deste modo não pode se deixar de notar uma luta incessante do Legislativo, Executivo e Judiciário para proteção dos consumidores brasileiros que enfrentam todo o caos que se instaurou na economia durante os tempos de Covid-19.

A busca pela harmonia entre fornecedores e consumidores trata-se de uma longa e árdua estrada a se trilhar em detrimento das atuais condições causadas pela pandemia, contudo, os princípios que defendem os consumidores em geral, não devem de forma alguma serem esquecidos ou anulados.

REFERÊNCIAS:

AGÊNCIA BRASIL. “Hábito de consumo adquirido na pandemia deve permanecer após covid-19”. UOL. Disponível em: <https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/05/18/habito-de-consumo-adquirido-na-pandemia-deve-permanecer-apos-covid-19.htm>. Acesso em 15 de setembro de 2020.

ANDRETTA, Filipe. “Preço de álcool em gel e máscaras subiu até 161%; governo deveria tabelar?”. UOL. Disponível em: < https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/12/governo-controle-precos-tabelar-mascara-alcool-gel-agua-coronavirus.htm?cmpid=copiaecola >. Acesso em 17 de setembro de 2020.

BRASIL, Lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l1521.htm> Acesso em 15 de setembro de 2020.

_______, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8978compilado.htm> Acesso em 15 de setembro de 2020

CEARÁ, Lei nº 17.213, de 19 de maio de 2020. Disponível em: <https://leisestaduais.com.br/ce/lei-ordinaria-n-17213-2020-ceara-veda-a-majoracao-injustificada-do-preco-de-produtos-ou-servicos-durante-a-vigencia-do-plano-de-contingencia-do-novo-coronavirus-da-secretaria-da-saude-do-estado> Acesso em 17 de setembro de 2020

FEITAL, Ana Carolina. “Saiba o que fazer com os preços abusivos duranta a pandemia do COVID-19”. Acessa.com. Disponível em: <https://www.acessa.com/seusdireitos/arquivo/consumidor/2020/04/20-saiba-que-fazer-com-precos-abusivos-durante-pandemia-covid-19/>. Acesso em 15 de setembro de 2020.

OLIVA. Bemfica de. “Dona de farmácia em Cascavel é presa por preços abusivos no álcool em gel”. Jornal O Povo. Disponível em: <https://www.opovo.com.br/noticias/ceara/cascavel/2020/03/18/dona-de-farmacia-em-cascavel-e-presa-por-precos-abusivos-no-alcool-em-gel.html>. Acesso em 15 de setembro de 2020.

VIANNA, Selma de Moura Galdino. O que se entende por Consumidor Hipossuficiente? Jus Brasil. Disponível em: < https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1973155/o-que-se-entende-por-consumidor-hipossuficiente-selma-de-moura-galdino-vianna>. Acesso em 15 de setembro de 2020.

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