sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

O modelo Red Bull nas franquias de futebol: isso deve assustar o torcedor brasileiro?

Franquias de Futebol da Red Bull. FONTE: Blog 4-3-3.

O MODELO DE CLUBE-EMPRESA NO BRASIL

Os clubes brasileiros de futebol estão constituídos, via de regra, como associações civis privadas com prática recreativa e desportiva, nos moldes do art. 44, I, do Código Civil, e do art. 1º, § 1º, Lei nº 9.615/1998, a “Lei Pelé”. Alguns poucos estão operando como sociedade empresária limitada, como determina o art. 1.052, caput, e §§ 1º e 2º, do Código Civil. Uma dessas empresas é a Red Bull Futebol e Entretenimento Ltda, que controla o Red Bull Brasil desde 2007 e o atual Red Bull Bragantino desde 2019.

Eis que surge a figura jurídica da Sociedade Anônima do Futebol, com a Lei nº 14.193/2021. Nela o clube adquire atividade econômica buscando maior captação de recursos, direito a incentivos fiscais em tributação específica (TEF), e vantagens jurídicas como o Regime Centralizado de Execuções nos Contratos Cíveis e Trabalhistas, assim como a Recuperação Judicial e Extrajudicial, em caso de crise financeira.

QUESTÃO DE IDENTIDADE DO CLUBE E O “CASO RED BULL”

As cores, o escudo, o hino, a sede e a torcida são os elementos que forma a identidade e a trajetória de um clube de futebol. Alterar isso de forma abrupta geraria temor aos seus adeptos sobre a falta de identidade e certo desrespeito para com a história do time. Mudanças acontecem em todos os clubes, a maior parte das vezes no emblema ou escudo, mas em geral, preservando a identidade básica.

Um clube-empresa teria como foco o fortalecimento da marca, e no tratamento dos torcedores como clientes e consumidores. Um jogo de “ganha-ganha”. Mas e o mercado consumidor? Afinal, além da bilheteria, venda de camisas e produtos, assinaturas de PPV, entre outros, são os torcedores que atraem outras receitas para os clubes, como os patrocínios e as cotas televisivas de participação.

Todavia, a reação destes fãs da marca é bem dividida sobre o fato de um time virar empresa e ter proprietários. Indagações como “E as cores? E o nome do time? E as nossas tradições? Vai mudar o escudo? Mas o time é da torcida, não de empresários...", são feitas com frequência quando se questiona se o time do coração vai virar uma empresa que visa obter lucro com a atividade do futebol.

Este temor é causado pelo “efeito Red Bull”. A fabricante de energéticos recentemente adquiriu o Red Bull Bragantino em seu grupo de franquias futebolísticas. O time de Bragança Paulista, que estreou na Série A em 2020, se junta ao FC Red Bull Salzburg, RB Leipzig, New York Red Bulls e Red Bull Brasil no sistema de times de futebol da empresa austríaca. Todos possuem a mesma base de escudo, cores e uniformes semelhantes. “Apesar de serem todos da mesma marca, eles se diferem, né, tem uma historinha diferente, apesar de serem clubes jovens”. (MEGALE; PACHECO JÚNIOR, 2019, 02:05).

Faz-se pertinente a reflexão se o caso envolvendo o RBB seria um “ponto fora da curva” ou não no cenário desportivo brasileiro. E tal fenômeno de clube de futebol gerido por grupos empresariais já possui força no cenário internacional, como se observa:

Mas, de fato, há investidores querendo investir por aqui? Segundo os especialistas, sim. De todos os clubes-empresas do mundo, 35% são geridos por estrangeiros. Alguns exemplos são fáceis de lembrar: o francês Paris Saint-Germain, que tem Neymar entre os seus jogadores, tem como principal acionista o fundo soberano do Qatar. Assim como o PSG, Chelsea e Manchester City estão nas semifinais da Liga dos Campeões da Europa e são controlados por estrangeiros. A exceção é o Real Madrid, que é uma das poucas associações da Europa – juntamente com o arquirrival Barcelona. (JANKAVSKI et al., 2021, on-line)

O medo e o achismo do consumidor do mercado do futebol podem induzi-lo a um equívoco ao colocar o investimento realizado no RBB como regra do negócio, quando na verdade trata-se apenas de uma importante exceção.

Afinal, mesmo com a liberdade para mudar toda a identidade de um clube, como previsto e possível na Lei nº 14.193/2021, não seria necessariamente vantajoso se observar os clientes já conectados com a marca, símbolos, filosofia e história da instituição. Consumidores estes que estão concentrados na massa de fãs da instituição, o que tornaria qualquer tentativa de ruptura, no mínimo, questionável.

SEGURANÇA INSTITUCIONAL COM A LEI DA SAF

Foi com esse cuidado que a Lei da SAF definiu em seu art. 2º, VII, a emissão de ações ordinárias de classe A, disponíveis para subscrição exclusivamente feita pelo clube ou pessoa jurídica que constituiu a Sociedade Anônima do Futebol. E um dos poderes de deliberação das ações classe A, definidas no § 4º, também do art. 2º da Lei nº 14.193/2021, está em alterar a denominação, símbolo, brasão, marca, alcunha, hino e cores, além da mudança de sede para outro município, por exemplo.

Logo, com o impedimento expresso de uma ação ordinária de classe A pode ser subscrita por pessoa física ou jurídica de natureza alheia ao clube original garante uma questão de segurança ao que se refere à identidade e história da instituição, o que tranquiliza tanto dirigentes quanto os adeptos do clube.

Adeptos estes que recebem a carinhosa denominação de “torcedor”, que, segundo SIMÃO (2011, p. 16) é toda pessoa que se relacione com prática do desporto, incluindo nesse conceito aquele que aprecie ou apoie, mesmo que não mantenha qualquer vínculo formal com uma entidade desportiva.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei nº 14.193, de 6 de agosto de 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14193.htm. Acesso em 31 de ago. de 2021.

JANKAVSKI, André, et al. Modelo dos grandes da Europa, clube-empresa pode ser aprovado no Senado. CNN Brasil. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/modelo-dos-grandes-da-europa-clube-empresa-pode-ser-aprovado-no-senado/. Acesso em 29 de set. de 2021.

MEGALE, Murilo; PACHECO JÚNIOR, Antônio. A Red Bull quer dominar o futebol | #ForadoEixo 85 | Red Bull FC. Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=q9yC5S3Fj9A. Acesso em 30 de ago. de 2021. 13:15:00.

SIMÃO, Calil. Estatuto do Torcedor Comentado. 1ª ed. Leme: JH Mizuno, 2011.

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