sábado, 24 de outubro de 2020

A competência territorial da Justiça do Trabalho como garantia do acesso à Justiça


O Princípio Constitucional do amplo acesso à justiça e a Exceção de Incompetência em razão do lugar. De um lado um dispositivo processual da legislação específica do Direito do Trabalho, do outro, um princípio consagrado pela Constituição Federal, a Lei Maior na pirâmide hierárquica do ordenamento jurídico. Dois institutos que entram em conflito no caso de um cidadão que não tem condições fáticas de requerer seus direitos pela via judiciária, de acordo com os ditames da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Este choque de direitos fica visível na situação hipotética de um trabalhador que reside no interior do Ceará, mas que por um período estava trabalhando em uma rede de lanchonetes na capital paulista, São Paulo, mas que meses após assinar contrato e exercer seu labor na referida empresa, não recebeu suas verbas de trabalho, e sem nenhum vintém, acabou regressando para sua terra natal a fim de recomeçar a sua vida.

Entretanto, após conselhos de amigos e parentes, foi orientado a ajuizar uma reclamação trabalhista contra a empresa que não cumpriu para com suas obrigações, mesmo na comarca onde residia. Caso a empresa em questão não aja com desídia e apresente exceção da incompetência territorial, dentro do prazo de cinco dias após ser notificada, conforme o previsto no art. 800 da CLT, e o juiz analisará e o processo ficará suspenso desde então. Está formado o conflito.

Em consoante com o que determina o art. 651, § 3º, da CLT, a competência territorial para julgar a reclamação trabalhista será do foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços. Ou seja, seguindo a hermenêutica gramatical da norma que rege as relações de trabalho, o foro que deverá julgar o procedimento será o da capital do Estado de São Paulo neste exemplo.

A problemática encontra-se em como o reclamante na sua condição de hipossuficiência iria prosseguir com sua demanda judicial há inúmeros quilômetros de distância.

O juiz que, ao receber a exceção de incompetência territorial, optar pela literalidade do art. 613, estaria ferindo o Princípio Constitucional do Acesso à Justiça, que é positivado na Carta Magna em seu art. 5º, inciso XXXV, CF, que incube ao Estado o dever de garantir a tutela jurisdicional ao cidadão. No mesmo caso em tela, verifica-se a antinomia entre os princípios da Especificidade e o da Dignidade da Pessoa Humana.

Tal imposição implicaria em um ônus demasiadamente penoso para o pólo vulnerável da disputa processual, o que vai diretamente contra a própria paridade das armas. Discussão que tem sido travado por juristas Brasil afora. Sobre o juiz que recebeu o protocolo se tornar ou não o juiz prevento por ter incompetência relativa, não absoluta.

Existe um entendimento de que o disposto no art. 651 assim como em seus parágrafos sofra uma flexibilização nos casos em que a competência territorial definida prejudique o acesso à justiça. Corrente esta que já está ganhando força nos julgamentos das instâncias superiores da Justiça do Trabalho, como se fez observado no informativo 185 do TST.

O Tribunal Superior do Trabalho, através da Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-I) afirmou a possibilidade de reconhecer a competência do foro do domicílio da parte reclamante quando a competência referente ao local do contrato de trabalho ou da prestação do serviço oferecer óbice ao direito de ação.

Este entendimento fora concluído em caso semelhante ao exemplificado neste trabalho. A reclamante prestou serviços em Altamira, no Pará, e após a dispensa, mudou-se para Uberlândia, onde ajuizou a ação. Vale lembrar que a reclamada havia findado suas atividades na cidade paraense, mantendo apenas no Rio de Janeiro.

Postos os fatos, os Ministros da Seção concluíram que o art. 651 da CLT não deveria ser interpretado de forma literal, e sim com a hermenêutica lógico-sistemática, entrando em harmonia com os princípios constitucionais, como no caso, o do direito de acesso à justiça. Assim, podendo em alguns casos, prevalecer o domicílio do trabalhador.

Quanto ao aspecto doutrinário, observa-se a Teoria do Conglobamento Puro, adotada pelo jurista e ministro Maurício Godinho Delgado, que disciplina que, ao analisar o conjunto de diplomas jurídicos em conflito, aplicar-se-á aquele que for mais favorável. A título de conclusão, tal entendimento é favorável ao equilíbrio entre as partes, visa a proteção da situação de vulnerabilidade e de hipossuficiência do trabalho, e por fim, consagrando a Lei Maior no sublime Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, onde é dever do Estado dar as melhores condições para que se possa lutar pelo próprio direito.

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