sábado, 24 de outubro de 2020

Culpa exclusiva da vítima em acidente de trânsito - Doutrina e Jurisprudência


No que tange à Responsabilidade Civil, a legislação, especificamente no art. 186 do Código Civil, que trata da responsabilidade por ato ilícito, prevê que a culpa incide pela ação ou omissão do agente de forma voluntária, ou que ao menos conste negligência ou imprudência, implicando na violação de um dever da previsão de certos fatos ilícitos e de adoção das medidas capazes de evitá-los.

A doutrina explica, na lição de Carlos Roberto Gonçalves, em sua obra Responsabilidade Civil, Ed. Saraiva, 6ª ed., p. 505, que traz o seguinte:

“Quando o evento danoso acontece por culpa exclusiva da vítima, desaparece a responsabilidade do agente. Nesse caso, deixa de existir a relação de causa e efeito entre o seu ato e o prejuízo da vítima. Pode-se afirmar que, no caso de culpa exclusiva da vítima, o causador do dano não passa de mero instrumento do acidente. Não há liame de causalidade entre o seu ato e o prejuízo da vítima”. (GONÇALVES, 2019)

Sobre a questão, assim entende o Superior Tribunal de Justiça (STJ):

RECURSO ESPECIAL Nº 1.749.954 - RO (2018/0065354-5)

RELATOR: MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE

EMENTA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO EM RAZÃO DE ACIDENTE DE TRÂNSITO. CONDUÇÃO DE MOTOCICLETA SOB ESTADO DE EMBRIAGUEZ. ATROPELAMENTO EM LOCAL COM BAIXA LUMINOSIDADE. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA INCONCLUSIVA SE A VÍTIMA ENCONTRAVA-SE NA CALÇADA OU À MARGEM DA CALÇADA, AO BORDO DA PISTA DE ROLAMENTO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

1. Em relação à responsabilidade civil por acidente de trânsito, consigna-se haver verdadeira interlocução entre o regramento posto no Código Civil e as normas que regem o comportamento de todos os agentes que atuam no trânsito, prescritas no Código de Trânsito Brasileiro. A responsabilidade extracontratual advinda do acidente de trânsito pressupõe, em regra, nos termos do art. 186 do Código Civil, uma conduta culposa que, a um só tempo, viola direito alheio e causa ao titular do direito vilipendiado prejuízos, de ordem material ou moral. E, para o específico propósito de se identificar a conduta imprudente, negligente ou inábil dos agentes que atuam no trânsito, revela-se indispensável analisar quais são os comportamentos esperados — e mesmo impostos — àqueles, estabelecidos nas normas de trânsito, especificadas no CTB.

2. A inobservância das normas de trânsito pode repercutir na responsabilização civil do infrator, a caracterizar a culpa presumida do infrator, se tal comportamento representar, objetivamente, o comprometimento da segurança do trânsito na produção do evento danoso em exame; ou seja, se tal conduta, contrária às regras de trânsito, revela-se idônea a causar o acidente, no caso concreto, hipótese em que, diante da inversão do ônus probatório operado, caberá ao transgressor comprovar a ocorrência de alguma excludente do nexo da causalidade, tal como a culpa ou fato exclusivo da vítima, a culpa ou fato exclusivo de terceiro, o caso fortuito ou a força maior.

3. Na hipótese, o ora insurgente, na ocasião do acidente em comento, em local de pouca luminosidade, ao conduzir sua motocicleta em estado de embriaguez (o teste de alcoolemia acusou o resultado de 0,97 mg/l - noventa e sete miligramas de álcool por litro de ar) atropelou a demandante. Não se pôde apurar, com precisão, a partir das provas produzidas nos autos, se a vítima se encontrava na calçada ou à margem, próxima da pista.

3.1 É indiscutível que a condução de veículo em estado de embriaguez, por si, representa o descumprimento do dever de cuidado e de segurança no trânsito, na medida em que o consumo de álcool compromete as faculdades psicomotoras, com significativa diminuição dos reflexos; enseja a perda de autocrítica, o que faz com que o condutor subestime os riscos ou os ignore completamente; promove alterações na percepção da realidade; enseja déficit de atenção; afeta os processos sensoriais; prejudica o julgamento e o tempo das tomadas de decisão; entre outros efeitos que inviabilizam a condução de veículo automotor de forma segura, trazendo riscos, não apenas a si, mas, também aos demais agentes que atuam no trânsito, notadamente aos pedestres, que, por determinação legal (§ 2º do art. 29 do CTB), merece maior proteção e cuidado dos demais.

3.2 No caso dos autos, afigura-se, pois, inarredável a conclusão de que a conduta do demandado de conduzir sua motocicleta em estado de embriaguez, contrária às normas jurídicas de trânsito, revela-se absolutamente idônea à produção do evento danoso em exame, consistente no atropelamento da vítima que se encontrava ou na calçada ou à margem, ao bordo da pista de rolamento, em local e horário de baixa luminosidade, após a realização de acentuada curva. Em tal circunstância, o condutor tem, contra si, a presunção relativa de culpa, a ensejar a inversão do ônus probatório. Caberia, assim, ao transgressor da norma jurídica comprovar a sua tese de culpa exclusiva da vítima, incumbência em relação à qual não obteve êxito.

4. Recurso especial improvido.

Como se percebe, a jurisprudência pátria tem entendido que a culpa exclusiva da vítima exclui a responsabilidade civil da parte requerida sobre o que se refere a indenizar os danos causados por acidentes de trânsito.

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