sábado, 24 de outubro de 2020

O homem cordial


Para Sérgio Buarque de Hollanda, o Estado não foi uma continuidade da família. Comparou tal confusão com a história de Sófocles, sobre Antígona e seu irmão Creonte, sobre um confronto entre Estado e família. Houve muita dificuldade na transição para o trabalho industrial no Brasil, onde muitos valores rurais e coloniais persistiram. Para o autor, as relações familiares (da família patriarcal, rural e colonial), eram ruins para a formação de homens responsáveis.

Até hoje vemos a dificuldade entre os homens detentores de posições públicas conseguirem distinguir entre o público e o privado. "Falta ordenamento impessoal que caracteriza a vida no Estado burocrático”.

A contribuição brasileira para a civilização foi então, o “homem cordial”. Mas o que significa ser um homem cordial no contexto abordado pelo historiador? A princípio, o adjetivo "cordial" gerou muitas querelas. Os conservadores da época acharam que associar o brasileiro à imagem de um "homem cordial" parecia desvirilizante, e o melhor seria encaixá-lo no protótipo de um Cavaleiro da Esperança, ou coisa que o valesse.

Com o tempo, a polêmica cedeu lugar a um entendimento parcial do que significava, para Hollanda, a cordialidade do brasileiro que, ao contrário do que superficialmente possa parecer, não quer dizer apenas sincero, afetuoso, amigo. As paixões – egoístas e desgovernadas – estão na origem do conceito: trata-se de um homem de "fundo emotivo extremamente rico e transbordante", segundo Sérgio Buarque de Hollanda, ou seja, um homem dominado pelo coração (cor, coração em latim).

Este fundo emotivo que faz com que o homem cordial acredita que para conquistar um freguês é necessário fazer um amigo. Possui um sentimento mais humano e singelo, fazendo uso de um culto mais amável e fraterno, opondo-se ao “Deus Palaciano”, pregado nos tempos antigos e tendo aversão ao ritualismo, com uma religiosidade de superfície.

A impossibilidade que o brasileiro tem em se desvincular dos laços familiares a partir do momento que esse se torna um cidadão, gerou o “homem cordial”, que tem horror a distâncias. Esse homem cordial é aquele generoso, de bom trato, que para confiar em alguém precisava conhecê-lo primeiro.

A intimidade que tal homem tem com os demais chega a ser desrespeitosa, o que possibilitou chamar qualquer um pelo primeiro nome, usar o sufixo “inho” para as mais diversas situações e até mesmo, colocar santos de castigo. O rigor é totalmente afrouxado, onde não há distinção entre o público e o privado: todos são amigos em todos os lugares.

O Brasil é uma sociedade onde o Estado é propriedade da família, os homens públicos são formados no círculo doméstico, onde laços sentimentais e familiares são transportados para o ambiente do Estado, é o homem que tem o coração como intermediário de suas relações, ao mesmo tempo em que tem muito medo de ficar sozinho.

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