Ao assistirmos os episódios da série Suits já dá para
perceber, logo de cara, que Harvey Specter não é um advogado comum. Estou
falando para além dos ternos elegantes, do ar de superioridade, da barba bem
feita e do topete sempre penteado. Ele é um advogado, mas a sua maneira de
trabalhar é muito diferente daquela predominante entre profissionais da
advocacia brasileira.
É difícil ver Harvey indo ao tribunal participar de um
julgamento. Ele vai, é claro, mas não é sempre. Eu diria até que ele vai muito
pouco para alguém cuja profissão se baseia em sentenças favoráveis, audiências,
sustentações orais e em recursos nos tribunais. Ou melhor, eu disse que a
profissão do advogado se baseia em atos do Judiciário? Que engano! O maior erro
da área está aí: achar que esse trabalho se resume à vida forense. E é essa a
maior lição que nós, advogados, temos que aprender com Harvey.
A nossa profissão não se resume ao fórum e nem aos atos
praticados lá. Ela se baseia na resolução ou na prevenção de problemas
judiciais dos clientes. O advogado que só pensa em processo judicial está
ultrapassado. É claro que entender processo civil (ou penal, ou trabalhista) é
importantíssimo, mas muitas vezes o Judiciário não é o melhor caminho. Ainda
existem, no Brasil, grandes escritórios de advocacia que não percebem isso e
possuem advogados biônicos, que seguem uma espécie de “manual de instruções”
padrão e não possuem a capacidade de pensar, por exemplo, se vale a pena insistir
ou não em um processo judicial.
Desde o primeiro episódio de Suits, Harvey se gaba agindo
como se fosse o melhor advogado da cidade - e ele é. E qual a razão para ele
ser o melhor? É porque sempre ganha no Judiciário? Não. É porque ele é o melhor
Closer. Closer? O que isso significa? Closer é alguém que faz acordos. E essa
característica em Harvey é verificada em praticamente todos os episódios da
série. É difícil encontrar um caso em que ele não está disposto a fazer um
acordo. Ele consegue bons acordos para os seus clientes sem precisar levar o
caso deles para o Judiciário e, quando é preciso iniciar um processo judicial,
não descarta a possibilidade de fazer um acordo antes que o processo termine.
É importantíssimo compreender que casos jurídicos envolvem
análise de riscos. Nunca dá para ter certeza sobre como um juiz irá decidir - o
advogado que promete causa ganha para o cliente não age de boa-fé. Mas, quase
sempre, dá para analisar bem se as chances de sucesso da demanda são altas ou
não. Em muitas situações também é possível prever aproximadamente qual o valor
que o Réu seria condenado. Os precedentes dos tribunais estão aí para isso.
Precedentes não servem apenas para processos judiciais, eles também podem
servir para influenciar na negociação de um acordo.
Harvey vai além de conseguir resolver os problemas dos seus
clientes. Ele os resolve com rapidez. É claro que, muitas vezes, o Judiciário é
inevitável – tem vezes que a raiva das partes é tão grande ou que o direito é
tão bom que não vale a pena fazer um acordo –, mas, regra geral, o sistema
judicial é muito lento e uma simples causa de danos morais nos juizados
especiais cíveis pode facilmente demorar uns dois anos e meio até o trânsito em
julgado e mais uns seis meses para conseguir executar o Réu (isso se o advogado
ficar correndo atrás para pedir para “agilizar” o processo).
Mas, então, a advocacia deverá fazer acordos de qualquer
jeito? Não. Ao observar Harvey Specter e Mike Ross trabalhando juntos, é
possível facilmente perceber que não é simplesmente chegar até a parte oposta
do conflito e oferecer um acordo. É preciso investigar o caso, se preparar,
calcular as chances que seu cliente teria de vencer a causa se ela fosse para o
Judiciário, coletar provas. O advogado tem que pensar em todos os caminhos
viáveis e fazer uma espécie de organização por ordem de preferência de quais as
melhores opções.
Quase sempre é necessário realizar toda a preparação para
iniciar um processo judicial – até mesmo preparar a petição inicial às vezes –
para que o advogado tenha poder de negociação antes de fechar um acordo. É
importante mostrar e explicar ao seu “adversário” porque ele, muito
provavelmente, vai ter uma sentença desfavorável se insistir em levar o caso
para os tribunais. Isso se faz mostrando as provas, falando das teses
pacificadas, mostrando os precedentes.
Da mesma forma, o advogado tem que explicar ao próprio
cliente quando as chances dele não são boas, recomendar quando for o momento de
recuar e tentar fazer um bom acordo para minimizar os estragos. Acabou-se o
tempo que advogado bom é aquele que sabe brigar num processo judicial. Saber
processo é e sempre vai ser imprescindível na vida de um advogado, mas o
“espírito do conflito” já não é mais valorizado.
Muito mais importante do que dinheiro é o tempo. Já dizia
Bauman, o tempo é o bem mais precioso da modernidade. Poucos são os que têm
estômago para encarar processos complexos que chegam a durar 5, 7, 10 anos. Um
processo judicial é estressante, é chato e a situação piora bastante quando o
cliente não entende nada do que está acontecendo porque o advogado dolosamente
o deixou no escuro e não consegue localizar o seu patrono para cobrar
explicações.
Abdicar de um pouco do total do que ganharia se esperasse
até o trânsito em julgado para poder ganhar tempo geralmente é um bom negócio. Harvey
tenta ensinar essa lição em quase todos os episódios de Suits. Resta saber se
os nossos advogados irão absorvê-la.
0 comentários:
Postar um comentário