sábado, 9 de abril de 2022

O legado de Dallari


Neste fim de semana, saiu da vida física para entrar para a história o renomado jurista Dalmo de Abreu Dallari, autor de várias obras jurídicas e era professor emérito da Universidade de São Paulo – USP. Entre suas obras, destaca-se o clássico “Elementos de Teoria Geral do Estado”, bastante utilizado nos estudos acadêmicos referentes à cátedra de Ciência Política e TGE.

Em “Elementos de Teoria Geral do Estado”, o jurista de Serra Negra define o conceito de Estado adotado por praticamente toda a comunidade jurídica, que é a ordem jurídica soberana (governo estabelecido), que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território.

Falando-se em território, seu conceito ganha importância na Idade Média, já que, pela natureza da Cidade-Estado na antiguidade e da relação entre o poder público e os particulares, não chegou a surgir a necessidade de uma clara definição territorial. Dallari explica que com a multiplicação dos conflitos entre ordens e autoridades, tornou -se indispensável essa definição, e ela foi conseguida através de duas noções: a de soberania, que indicava o poder mais alto, e a de território, que indicava onde esse poder seria efetivamente o mais alto.

Em linhas mais retas, deveria existir um ente que mandava e um grupo que obedeceria, e que tais regras funcionariam em determinado lugar, onde comandantes e comandados estivessem estabelecidos. A partir dessas concepções, surgem teorias que relacionam o Estado com seu território, fundamentadas por Dallari:

a) Território-patrimônio: característica do Estado Medieval e com alguns reflexos em teorias modernas. Essa teoria não faz diferenciação entre o imperium e dominium, concebendo o poder do Estado sobre o território exatamente como o direito de qualquer proprietário sobre o imóvel.

b) Território-objeto: que é a que concebe o território como objeto de um direito real de caráter público. Embora com certas peculiaridades, a relação do Estado com seu território é sempre e tão só uma relação de domínio.

c) Território-espaço: teoria segundo a qual o território é a extensão espacial da soberania do Estado. A base dessa concepção é a ideia de que o Estado tem um direito de caráter pessoal, implícito na ideia de imperium. Alguns adeptos dessa orientação chegam a considerar o território como parte da personalidade jurídica do Estado, propondo mesmo a expressão território-sujeito.

d) Território-competência: teoria defendida sobretudo por KELSEN, que considera o território o âmbito de validade da ordem jurídica do Estado.

Citado o governo, que seria a ordem jurídica soberana dentro de determinado território, também conceituado, um terceiro elemento apontado como requisito para que se possa reconhecer o Estado é o povo. E sobre este conceito, Dallari destaca-se por ser bem direto, aduzindo que o povo significa o conjunto de cidadãos de determinado Estado.

Para Dallari, o indivíduo, que no momento mesmo de seu nascimento atende aos requisitos fixados pelo Estado para considerar-se integrado nele, é, desde logo, cidadão. O Estado pode estabelecer determinadas condições objetivas, cujo atendimento é pressuposto para que o cidadão adquira o direito de participar da formação da vontade do Estado e do exercício da soberania. O que faz diferenciar povo de população, que por sua vez, seria apenas o conjunto de habitantes em determinado território, não necessariamente cidadãos. Pois é fundamental esta  ligação que há entre a soberania e o conceito de povo.

Os três fatores enumerados para a formação do Estado resultaram mais como aspiração do que como realidade efetivamente, gerando a necessidade de uma ordem, germinando o conceito de Estado Moderno, já lembrado por Maquiavel que dizia: “Todos os Estados que existem e já existiram são e foram sempre repúblicas ou principados”.

No Século XXI, já consagrado no mundo jurídico, Dallari publica "O Futuro do Estado", em que trata do conceito de Estado Mundial, do mundo sem Estados, dos chamados Superestados e dos múltiplos Estados do Bem-estar, explicando o que seria o futuro imediato provável, em que os dados e o alcance das predições, os sistemas políticos do mundo contemporâneo, tendências afetariam o estado contemporâneo, os futuríveis do estado.

Sobre o Estado Mundial, diversas foram as tentativas de sua criação, por exemplo, o Império Romano, a França de Napoleão Bonaparte e a Alemanha Nazi de Adolf Hitler. Dallari conceitua o ideário imperialista: “os grandes Impérios da antiguidade nunca deixaram de ser a expressão de uma relação de domínio de um povo sobre outros, não se chegando a procurar a integração jurídica e política dos povos dominados”.

Modernamente, a ideia de um Estado Mundial ganhou força no mundo jurídico e político a partir da Segunda Guerra Mundial. Considerou-se que a ação dos Estados precisava ser controlada por um poder superior, que limitasse o uso arbitrário da força. Dentro deste contexto surgiu a Organização das Nações Unidas, que muitos chegaram a afirmar ser o fundamento do Estado Mundial. A própria orientação dos Estados pertencentes à ONU revelou a falsidade desta teoria, segundo Dallari, pela própria Carta das Nações Unidas, que em seu art. 78, diz que “o sistema de tutela não será aplicado a territórios que se tenham tornado Membros das Nações Unidas, cujas relações mútuas deverão basear-se no respeito ao princípio da igualdade soberana”.

Em relação ao “Mundo sem Estados”, é necessário citar o conceito de anarquismo como filosofia política, que surge em um momento histórico propício, na primeira metade do século XIX, no qual se verificava uma divisão de classes muito clara, com uma burguesia trabalhando para a manutenção da ordem existente de maneira a preservar os fatores de desequilíbrio. Nesse contexto aparecem uma forte oposição ao Estado e uma proposta de ação organizada para destrui-lo.

Conforme DALLARI, a forma de oposição ao Estado não era uniforme dentro do movimento proletário, havendo basicamente duas correntes que se propunham a combatê-lo: a primeira negava qualquer possibilidade de transigência para com o Estado, exigindo uma luta direta e constante contra ele. Dentre os principais adeptos desta posição estavam Bakunin, Kropotkin e Sorel. Na outra ponta estavam os que consideravam impossível a imediata eliminação do Estado, propondo um processo longo para a efetivação deste objetivo. Neste contexto surgiu o Manifesto Comunista (1848) de Karl MARX e Friedrich ENGELS.

Sobre Superestados, Dallari difundiu que a ideia de Blocos Políticos foi desenvolvida após a Primeira Guerra Mundial, quando se acreditou que uma distribuição lógica das forças, mediante a composição de alguns superestados nivelados em poderio e riqueza, asseguraria um equilíbrio estável, pois nenhum teria condições para dominar os demais, nem teria a necessidade de promover guerras de conquista. que es se agrupamento dos pequenos Estados deveria ser feito através de alianças, preservando -se a soberania de cada um. Outros iam além, propondo a constituição de grandes federações. Um exemplo bem prático é a União Europeia (UE) e seu Parlamento Europeu. A extinta União Soviética (URSS) pode ser considerada historicamente um exemplo de “superestado”.

Para Dallari, é admissível que os Estados se agrupem regionalmente com finalidades limitadas, sejam elas econômicas ou políticas, e nas quais cada Estado possa preservar sua vontade soberana. Mas a constituição de Superestados com organização federativa não encontra base na realidade para ser considerada como futuro provável para o Estado.

Em linhas finais, o grande jurista deixa sua marca ao conceituar a origem do Estado e sua formação, seus elementos, assim como uma perspectiva de futuro do que o Estado poderia se tornar. Temas que foram de suma importância para a base acadêmica de todo jurista que milita no ramo doutrinário voltado para os estudos do Direito. Obrigado por tudo, grande mestre!

0 comentários:

PAULO MONTEIRO ADVOCACIA & CONSULTORIA

OAB/CE Nº 46.849
Rua Dom Pedro II, 736 - Cruzeiro - Camocim, CE, Brasil. CEP: 62400-000
E-MAIL: pmonteiroadvocacia@gmail.com
REDES SOCIAIS: @pmonteiroadvocacia